quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Os Brooks

PRÓLOGO
O dia amanheceu frio em toda Londres, o que só era mais um dos motivos pra que os moradores do subúrbio que saíam para o trabalho logo cedo desejassem estar debaixo de cobertas e com suas portas trancadas. A Sra. Phelps estava como sempre em sua janela, — o asilo era um lugar seguro — encarando as gotas de chuva que caíam no chão, esperando que alguém passasse por ali com algum assunto novo para espalhar para suas colegas no próximo chá da tarde. A verdade é que a maior coisa que aconteceria seria um assalto. Talvez, dessa vez, nada muito sério. Talvez o prejuízo de uma bolsa barata e algum dinheiro. Nada incomum na área, ainda mais num tempo desses. Um dia antes em uma coletiva de imprensa o primeiro-ministro assegurou toda a população que o melhor que poderiam fazer era se refugiarem em suas casas, pois toda e qualquer pessoa que ficasse na rua depois das onze horas da noite corria grande perigo. A onda de mortes e sequestros que dominava a cidade era assustadora. Embora os presidentes de outros países não quisessem admitir, todas as autoridades locais garantiram; “O país não está tão seguro quanto antes.”. A questão é que se alguém podia concordar era a Sra. Phelps. Há tempos a velha alertava a população de que via uma nuvem negra levar toda felicidade do mundo. Talvez por esse motivo estivesse onde estava, o Abrigo para idosos St. Borzage, ou talvez o verdadeiro motivo fosse a ambição do filho por dinheiro, que conseguira a desculpa perfeita pra interditar a senhora de seus bens. Dois carros passaram cantando pneus na lama, e cinco vizinhos colocaram rapidamente o lixo pra fora. Depois disso a tarde seguiu tediosa. Pessoas passavam desconfiadas pela rua, com toda discrição que conseguiam. Todos com o passo apertado, olhando desconfiados para os lados como quem espera que um assaltante saia de dentro de uma lata de lixo. Marlene observava tudo, embora não tivesse muito pra ver. Ela mantinha a xícara de Earl Gray firme em suas mãos, assim como uma aranha mantém sua vítima presa em suas teias. Foi na esperança de que algo acontecesse que viu uma mulher bem vestida, com pele clara e longos cabelos escuros aparecendo no fim da rua estreita. Seu rosto não estava visível, já que o chapéu de marca impossibilitava a visualização de qualquer traço de sua face. Logo atrás da moça, vinha um homem alto e moreno, com uma cicatriz nos braços. Seu rosto (assim como o da mulher) estava oculto, e ele carregava uma maleta em suas mãos. “Parece que hoje teremos assunto” pensou Marlene, que acompanhava todos os movimentos do tão estranho casal com atenção. Os dois pararam no meio da rua, a cerca de oito metros de distância do asilo onde a senhora observava a cena com olhos famintos. “E agora vem a abordagem.” Pensou a velha com gosto. Mas a abordagem nunca veio. Não se tratava de um assalto. Era uma negociação.
 1. Uma cruel realidade
 A água que caía no chão fez um verdadeiro parque aquático na rua, que embora fosse calçada tinha várias partes irregulares. Os buracos, marcas de uma obra mal feita, agora estavam cheios de água, ocultos pra qualquer um que passasse em Victoria’s Street e desconhecesse a existência das famosas irregularidades no asfalto. Algumas pessoas ainda se arriscavam, muitas vezes caindo em um ou dois dos buracos d’água. Os moradores daquela velha rua não. Eles sabiam bem o que o descaso do governo com aquelas crateras em sua rua resultava: A filha de Emmeline Dixie tivera a infelicidade de cair num desses buracos perfeitamente ocultos. A garota teve um ferimento profundo em sua perna devido a algum instrumento cortante que ali se situava e passou dias sem conseguir andar sem sentir uma dor lascinante. Os moradores perderam a conta de quantas vezes jornais pequenos, na esperança de um dia virarem gigantes do mercado, ou até mesmo de gigantes do mercado e seus pequenos colunistas, visitaram a área pra mais uma reportagem sobre o governo e sua relação conturbada com a população mais pobre. Reportagem essa que gerava uma grande polêmica na semana, mas logo era esquecida, junto com as promessas que o assessor do responsável pelo setor de urbanização publicava em nota. Era quase um desafio pessoal dos jornais fazer com que o governo colocasse um asfalto descente naquela rua. Um desafio que parecia estar perdido. O fato é que todos estavam contando os dias pra saber em quanto tempo a moça que recentemente se mudara pra lá tirasse a câmera da bolsa e fizesse uma série impactante de fotos do local.  fora pra Londres em busca de emprego, assumindo o disfarce de Jornalista Investigativa. A pequena cidade em que nasceu na França não tinha oportunidades amplas no setor investigativo, a não ser que investigar o porquê as flores da Sra. Brynnhidlr estarem ficando murchas fosse um bom trabalho. Afinal, quem um dia cogitaria pensar que é porque a velha nunca as tratou direito? Talvez uma boa irrigação resolvesse. Talvez… Porém, mesmo que resolvessem, as tulipas da velha Brynnhidlr eram assunto pra outrora. O acontecimento do dia era a mudança da falsa jornalista pra o subúrbio de Londres. Ela tinha dinheiro. Ela podia morar numa cobertura, numa mansão ou em um apartamento requintado mas tinha decidido se mudar pra o subúrbio. O tópico virara o assunto favorito dos blogueiros de fofoca, que criavam postagens agressivas, com sugestões criadas para atrair o público. “O Império dos Mollison caiu?”, sugeria uma delas.

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